terça-feira, 24 de março de 2009

Ser espectador da nossa própria vida…

Durante anos pensei em mim sentada numa plateia de um teatro, luxuosamente decorado. Com cadeiras forradas a veludo vermelho, espaçosas…, os camarotes em entalhe de madeira dourada, e cheios de gente vestida com a sua roupa domingueira em estilo século XIII. Longos vestidos por cima de corpetes bem apertados, tudo no devido sítio em prol de uma beleza que hoje em dia nada tem a ver com o nosso conceito de beleza ou conforto.

Estava nessa plateia como hoje ando na rua, rodeada de um puro sentido de hipocrisia que banha a sociedade, que inunda os seres que compõem a sociedade a título de última fragrância, a mais cara e a mais sensual. Mas poucos se apercebem que em vez de a apreciarem, depressa ficam viciados nela e não vêm mais nada à sua frente, apenas a desejam e vivem segundo os seus desejos, segundo as suas regras.

Pois neste meu teatro eu vejo o decorrer da minha vida, porque nesta sociedade acabo por me sentir muitas vezes um espectador da minha própria essência. Existem factores que quero mudar no mundo, mas segundo a sociedade não posso porque não seria correcto.

Não é correcto uma menina, peço desculpa, senhora, estar no meio de homens até às quinhentas, no entanto todos sabemos que as grandes discussões de economia, política, religião e educação, entre outras, só se tornam interessantes e deveras verdadeiras quando os cavalheiros despem a capa diplomática e confiam nos seus confrades, isto é, quando as conversas são realizadas a altas horas da noite e com algum álcool à mistura.
Por norma uma mulher não é admitida para estas reuniões porque a sociedade, não o homem, sexo masculino, as considera inferiores. Não foi à muito tempo, que em plena aula de faculdade um professor disse que as mulheres deviam estar em casa a lavar pratos e a tratar dos filhos e não a tentar aprender alguma coisa, porque isso era a tarefa dos homens.

Nota de rodapé, o curso era frequentado maioritariamente por mulheres e é um curso de Matemática, o qual não é propriamente fácil, mas quem sou eu para dar a minha opinião, afinal sou apenas uma mulher…

Custa-me tentar mudar o mundo e ter que viver com o “tens que te vestir como a senhora que és”, das duas uma, ou sou uma imagem criada pela sociedade, caricaturada através dos tempos e sem personalidade própria, ou sou eu, e se a segunda prevalece, e tem prevalecido devido a um defeito iminente que persiste desde idades mais ternas, a teimosia, então não serei um boneco a comando da sociedade, mas usarei a sociedade em proveito dela própria, para a melhorar, para a tornar menos fútil, menos ignorante, menos hipócrita, menos sovina, menos estereotipada.

Precisamos de passar o véu das aparências, precisamos de saber o que as pessoas, as empresas, os sectores económicos realmente valem, mas pelo que valem, não apenas pelo que têm, de onde vêm ou pelo que aparentam ser.

Todos devemos ter uma hipótese de mostrar quem somos e não ficarmos espectadores da nossa vida apenas porque nascemos no sítio errado na hora errada ou com o sexo errado. As variáveis envolvidas neste jogo de poder são mais que muitas e não as podemos condicionar a todas, mas podemos apelar aos valores. Começar por pensar num mundo em que valores como a igualdade, a fraternidade, a comunhão, entre outros, é pensar num mundo melhor, é pensar numa sociedade que não vai formatar à nascença o nosso livre arbítrio e que nos vai deixar fazer parte da peça em vez de apenas nos deixar pagar o bilhete para a nossa vida…

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