segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Desabafos...

Perdida nos seus pensamentos, Lisa encontrava-se no jardim à beira rio plantado, construído para a Expo 98. Queria estar sozinha, ou melhor, não lhe apetecia estar com ninguém que conhecia, muito menos com os seus amigos que tão bem a conheciam. Deixava que a chuva lhe caísse pelo rosto, misturando-se com as lágrimas que lhe teimavam em cair dos olhos, por muito que as limpasse. A sua tristeza era muita e não sabia de onde poderia vir.

Era supostamente uma mulher que devia ser feliz. Com quase trinta anos, Lisa era bonita, com um curso tirado e a fazer o que mais amava na vida, ensinar. Tinha conseguido colocação dois anos seguidos e embora a escola onde estava não fosse um paraíso, acordava todas as manhãs desejosa de ensinar os “seus putos”. Tinha conseguido comprar uma casa e vivia sozinha, o que nos dias de hoje era um grande feito. Tinha verdadeiros amigos com quem podia contar, mas faltava algo… lá no fundo, ela sabia bem o que faltava mas não queria dar o braço a torcer, um dos seus piores defeitos era ser teimosa, mas fora essa teimosia que a tornara a mulher que era hoje.

Muita coisa se tinha passado na sua vida nos últimos dois meses, despesas extra com a casa e com o carro, mais tempo a trabalhar, outra relação que não tinha resultado, enfim todas aquelas coisas normais que acontecem na vida quotidiana, mas o que a deitou a baixo foi ter um dia acordado e não se conseguir mexer da cintura para baixo. Olhar em volta e ver que estava sozinha. Claro que podia chamar um familiar ou um amigo, mas naquele momento estava sozinha, sem ninguém do seu lado e isso fê-la admitir, ainda que contra a sua vontade, que sentia a falta de alguém.

O susto de não conseguir andar, de não sentir as pernas, de a sua doença estar a aumentar e não haver nada que pudesse fazer para acabar com aquelas paralisias sucessivas fez com que tomasse algumas decisões na sua vida. A primeira seria por o seu segundo curso em hold por um ano ou dois enquanto não estivesse melhor, a segunda seria descansar mais, viver mais.

Mas foi exactamente isso que a levou a este jardim, que a pôs a pensar. Não tinha ninguém do seu lado para partilhar os pequenos nadas, os silêncios, o colo no sofá ou os abraços durante a noite. A família e os amigos, embora sempre presentes, não podiam preencher esse espaço que cada vez ia ficando mais vazio.

Estas ideias iam ficando cada vez mais profundas na sua mente, pareciam ter vindo para ficar e ela precisava desesperadamente de ar fresco, mas não conseguia respirar. Olhando a outra banda, com a ponte 25 de Abril a emoldura-la, recordações iam passando como se estivesse a vislumbrar um filme, o filme da sua vida. Momentos onde existia alguém, onde partilhava coisas que não faria sentido partilhar com mais ninguém, mesmo que o outro não ouvisse…

Foi acordada desse sonho pelo toque do telemóvel, eram horas de ir trabalhar… Não se podia dar ao luxo de sonhar quando tinha contas para pagar. Lisa adorava viver em Lisboa. Uma cidade cheia de mistério, moderna e antiga, com betão e verdes, com história e a fazer história. Para ela não havia nada como poder sair de casa e encontrar o que quisesse, fosse um jardim, um café aberto, um cinema, uma loja, seja o que fosse e Lisboa tinha tudo.

Claro que ela tinha os seus lugares de eleição, mas quem os não tem. Mas o que gostava mesmo era de poder sair e estar completamente à vontade no meio de uma multidão. Lisboa era um mundo e ela gostava de fazer parte dele.

Adorava o transito, os museus, as exposições, os teatros, as galerias de arte, o metro, as ruas antigas, as vistas das colinas, os bolos saídos das fábricas às duas da manhã, o cheiro a terra dos jardins do campo grande, o jardim da escola politécnica no Rato, café que fizeram no quiosque do Príncipe Real, a Avenida da Liberdade com os seus restaurantes em pleno passeio, os edifícios antigos com imagens em alto-relevo, principalmente o edifício dos meninos em plena Avenida da República. A praça de touros do Campo Pequeno, o Alcântara café com todo o seu glamour , ou o Plateu onde a música ainda tem melodia… E quando é Natal, toda a cidade fica enfeitada de luz…. Um espectáculo digno de se ver…

Mas como é óbvio nem tudo é bom, e Lisa também via a outra parte, os mendigos que dormiam em caixas de cartão, a indiferença das pessoas que andam tal qual zombies de casa para o trabalho e do trabalho para casa. O que mais lhe custava era raramente ver um sorriso, uma palavra de agradecimento ou um simples “Bom dia”. Parecia que as boas maneiras tinham ido para outro planeta, mesmo nos sítios de comércio todos estão de mau humor e como que a fazer-nos um favor ao atender-nos. Por isso achava-se uma mulher de sorte por gostar do que fazia, gostar não, era muito mais do que isso… Amava o que fazia.

Depois da explicação iria para casa, mas não lhe apetecia ficar sozinha. Iria sentir falta do abraço, daquele abraço… Não poderia chegar e dizer hoje correram-me lágrimas e fui fraca, porque não havia ninguém com quem falar. Já se habituara a estar sozinha e gostava da privacidade, era-lhe muito útil para muitas coisas. Só limpava o que sujava, não tinha horas para comer ou para dormir. Fazia o que queria, quando queria e como queria. Mas de que lhe valia ter tudo… Era a pergunta que lhe saltava à mente nos últimos tempos e não parava de pensar nisso.

Houvera tempos em que pensou que um dia encontraria a pessoa ideal, o homem dos seus sonhos. Mas nos tempos que correm sabia bem que não existiam príncipes encantados e os seus relacionamentos tinham-lhe mostrado exactamente isso. Tinha muito jeito para escolher amigos, mas para escolher companheiro era um zero à esquerda, conseguia sempre escolher aquele que pior se podia adequar à sua personalidade. Claro que no inicio das relações se entregava e dava tudo por tudo, achando que ele seria o tal e depois quando descobria que não era, acabava a sofrer… Com o tempo tinha aprendido a sofrer menos, a ser mais fria, mais calculista na parte dos sentimentos. Chegaram mesmo a dizer-lhe que não se podia racionalizar os sentimentos, no entanto era a sua única arma de defesa para sofrer menos, racionalizar o que tinha acontecido, arrumar o caso e passar à frente. As feridas cicatrizavam mas claro que deixavam marcas, e cada vez eram maiores. Até que um dia, Lisa decidiu que não iria deixar mais ninguém entrar no seu mundo dessa forma.

Não queria tornar-se uma velha rancorosa, mas também estava farta de ser um boneco nas mãos de alguém e como diz o ditado “antes só que mal acompanhada”. Sentou-se no seu sofá com uma chávena de chá e pensou nos prós e contras. Seria viável deixar alguém entrar na sua vida? Será que não iam brincar mais uma vez com os seus sentimentos?

Sabia que se fechasse a porta, mesmo que aparecesse alguém, ela não iria dar por isso. Demasiado distraída nesse campo, quase que era necessário que o rapaz interessado se atravessasse à frente do seu carro e dissesse estou aqui para que ela o visse. Quantas vezes não foram os amigos que lhe disseram que estava a ser observada por alguém ou que alguém tinha um interesse especial por ela, quando ela achava que não passava de um comportamento normal, algo de amigo?

Mas não estava disposta a abrir a porta. Existia alguém que preenchia todos os requisitos, que a completava, que a fazia sentir segura, sensual, inteligente, desejada. Adorava estar nos seus braços, partilhar silêncios, brincar com ele como se fossem dois putos. Mas não podia acontecer… e não lhe apetecia abrir a porta do seu mundo para que a tratassem mal, quando ela sabia como a podiam tratar bem. Por outro lado, podia continuar a sonhar com este amor impossível, mas só se estaria a iludir e a vida não é feita de ilusões…

Pegou nas chaves do carro e saiu. Não conseguia mais estar parada, precisava de andar. Conduziu, não sabia para onde ia, mas o carro parecia conhecer o caminho. De olhos quase vidrados ia acelerando ou travando conforme o trânsito deixava, com ânsia de chegar não se sabe bem onde. Só queria fugir. Fugir de si, daquele dilema, queria que desaparecesse. Descobrir uma resposta algures seria bom, mas não a ia encontrar no meio do trânsito. Um lugar para estacionar. Carro parado, fones nos ouvidos, música a tocar. A música era parte integrante da sua vida, por onde quer que andasse, levava a música atrás. Saiu do carro. A chuva era agora mais intensa, depressa o seu cabelo ficou encharcado, mas não voltou atrás. Sentiu o frio, fazia sentir-se viva. Pensou em si, na sua vida, no que tinha sido e no que queria ser. Tinha que se definir, não podia continuar a ser um dilema, tinha que ser algo concreto e racional como o que ela própria ensinava. Caminhou por entre as árvores agarrando-se a estas para evitar cair devido ao chão estar demasiado escorregadio até que encontrou uma pedra. Sentou-se e observou a lua, cheia, grande, sozinha mas brilhante.

Pensou então “Se ela consegue viver sozinha e ainda mover marés, também eu hei-de conseguir. Não vou abrir as portas do meu mundo, mas também não irei construir mais muros em redor. Serei eu e apenas eu. Não irei à procura do que sinto falta, viverei de outras maneiras. Os meus amigos, a minha família irão dar-me o apoio que preciso, só necessito de o pedir mais vezes. Não pensarei no pior, e vou tentar viver mais o hoje.”

De olhos fechados, iluminada apenas pelo luar, a sua face mostrava um sorriso de vitória. Tinha vencido o dilema, só faltava viver a vida, aquela que uma doença teimava em roubar. As lágrimas que brilhavam, desta vez eram de alegria, porque ela se tinha apercebido que a solidão que sentia não existia, tinha sido criada por si. Agora que tinha voltado a estar completa e força que sempre tivera, não se sentia só, porque sabia com quem contar, sempre soube, mas preferira acreditar num sonho, viver numa ilusão, em vez de enfrentar a realidade…

Não o fazemos todos, pelo menos uma vez na vida?

domingo, 1 de fevereiro de 2009

The World by Henry Vaughan

1.

I SAW Eternity the other night
Like a great Ring of pure and endless light,
All calm, as it was bright,
And round beneath it, Time is hours, days, years
Driven by the spheres
Like a vast shadow mov'd, in which the world
And all her train were hurl'd;
The doting lover in his quaintest strain
Did there complain,
Near him, his lute, his fancy, and his flights,
Wit's sour delights,
With gloves, and knots the silly snares of pleasure
Yet his dear treasure
All scatter'd lay, while he his eyes did pour
Upon a flower.

2.

The darksome statesman hung with weights and woe
Like a thick midnight fog mov'd there so slow
He did nor stay, nor go;
Condemning thoughts (like sad eclipses) scowl
Upon his soul,
And clouds of crying witnesses without
Pursued him with one shout.
Yet digg'd the mole, and lest his ways be found
Work'd under ground,
Where he did clutch his prey, but one did see
That policy,
Churches and altars fed him, perjuries
Were gnats and flies,
It rain'd about him blood and tears, but he
Drank them as free.

3.

The fearful miser on a heap of rust
Sat pining all his life there, did scarce trust
His own hands with the dust,
But would not place one piece above, but lives
In fear of thieves.
Thousands there were as frantic as himself
And hugg'd each one his pelf,
The downright epicure plac'd heav'n in sense
And scorn'd pretnece
While others slipt into a wide excess
Said little less;
The weaker sort slight, trivial wares enslave
Who think them brave,
And poor, despised Truth sat counting by
Their victory.

4.

Yet some, who all this while did weep and sing,
And sing, and weep, soar'd up into the Ring,
But most would use no wing.
O fools (said I,) thus to prefer dark night
Before true light,
To live in grots, and caves, and hate the day
Because it shows the way,
The way which from the dead and dark abode
Leads up to God,
A way where you might tread the Sun, and be
More bright than he.
But as I did their madness so discuss
One whisper'd thus,
"This Ring the Bridegroom did for none provide
But for his bride."

Sec. XVII